sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Zéquinha e Maria.


A adolescência não é um período muito tranquilo na relação entre pais e filhos. Crescer e se separar de seus pais é uma tarefa difícil e que não ocorre sem conflitos de ambos os lados. Os filhos precisam crescer e se afirmarem como diferentes de seus pais. Os pais teem sempre uma certa dificuldade de perceber que seus filhos estão crescendo e que já não precisam deles como precisavam na infância. Os filhos, por sua vez, ora se comportam como crianças, ora dão mostras de estarem amadurecendo. Os pais também oscilam e tratam seus filhos ora como crianças e ora como adultos.
Nessa busca por novas identificações fora de casa o adolescente tende a questionar os valores recebidos e a rebelar frente as decisões de seus pais, quando eles não atendem as suas demandas e dizem não a alguns de seus pedidos. Os pais por seu lado reatualizam os conflitos que vivenciaram em sua própia adolescência.
Foi em plena adolescência de minha filha que descobri, por acaso, o Zéquinha. Ele era baiano, lá de Arraial d`Ajuda e foi amor a primeira vista. O moço que o vendia chamava o boneco de ME LEVA e era ótimo no manuseio do mesmo.
Ao chegar em casa com o Zéquinha, que foi o nome que demos ao boneco, minha filha também começou a brincar com ele. A partir de então sempre que eu precisava dar alguma ordem para ela, mandando arrumar seu quarto, por exemplo, ou tratar de algum assunto que poderia ser fonte geradora de discussão era através do Zéquinha que eu falava com ela. Essa foi uma boa forma que encontrei para as possíveis situações, que sem a mediação do Zéquinha, com certeza seriam conflituosas.
Assim alguns assuntos desgastantes se tornaram risíveis tendo o Zéquinha como porta voz. Ele era engraçado, desengonçado e beijoqueiro ao mesmo tempo. Ele era uma graçinha e sendo assim tão sedutor era difícil minha filha não atender a um pedido dele.
De tanto utilizarmos o boneco ele morreu, quero dizer ele rasgou. Nunca mais consegui outro igual.
Maria, a boneca da foto, é muito parecida com o Zéquinha, só que é menina. Parece até irmã gêmea dele. Maria foi comprada depois, em outra época de nossas vidas.
Comprei a Maria com a desculpa de levá-la para o meu consultório, onde atendo algumas crianças. Mas confesso que não ia gostar se uma criança rasgasse a Maria. Assim ela está guardada aqui em casa esperando a chegada de um netinho, quem sabe?
Até hoje o Zéquinha é uma boa lembrança em nossa história.
Zéquinha foi um terceiro que facilitou muito minha comunicação com minha filha nos tempos áureos de sua adolescência.
Com o Zéquinha liberei um pouco de fantasia para lidar com situações do cotidiano que, tratadas de outra forma, podiam gerar uma guerra familiar desnecessária.Tais situações, na maioria das vezes, são mesquinhas, pequenas e ridículas e devem ser relevadas em favor da manutenção de uma relação afetiva entre os pais e os filhos e entre os irmãos. Claro que nem sempre conseguimos relevar essas bobagens.
O Zéquinha me ajudou muito como mãe. Ele era uma espécie de Carlito desajeitado que eu incorporava quando manuseava o boneco. Manuseando o Zéquinha, eu que dizem que tenho cara de brava e que sou brava em algumas situações, me tornava engraçada e podia tratar de algumas questões com muito mais leveza.
Talvez conservando a Maria mantenho acesa a possibilidade de a qualquer momento reincorporar o Zéquinha.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O sapato do vizinho.

Estamos recebendo uma sobrinha. Quando vivia na casa de seus pais ela sempre morou em um apartamento de cobertura. Agora, casada, está escutando o barulho que fazem os vizinhos de cima. Conversando ela nos disse que, até então, ela não tinha a dimensão de como o barulho do vizinho pode incomodar o outro que mora embaixo. Principalmente quando esse barulho acontece no horário de silêncio.
Acho que a moça que mora no apartamento em cima do nosso vive uma situação semelhante a que minha sobrinha. Ela não tem a dimensão do incomodo que causa ao arrastar móveis e andar com o sapato fazendo toc-toc, jogar uma bolinha o cachorro, quando chega de madrugada, por exemplo. Aliás pelo barulho do sapato fico sempre sabendo quando ela sai para se divertir. Coisa que eu nem precisava saber se ela fosse mais silenciosa.
Bendita sandália havaiana. Aqui em casa é regra: chegou tarde tem uma dessas esperando na área de serviço. O vizinho de baixo deve agradecer.
Já pensei em dar uma havaiana para minha vizinha com um cartãozinho com instruções de uso. Falta só descobrir o número que ela calça.

sábado, 21 de agosto de 2010

Os combinados e os maus entendidos.

Arranjei uma nova faxineira para meu consultório.
Como tenho lá minhas manias de limpeza gosto de ir na primeira faxina para dizer como gosto que limpe, onde fica o material de limpeza, como abre e fecha a cortina e outras coisinhas dessa ordem. Essa prática pode parecer chata. E deve ser. Todavia me livra de muito estrago. Desses feitos por acaso, por não se conhecer o funcionamento da cortina, por exemplo.
O combinado seria que ela faria a faxina em outro consultório, que fica no mesmo prédio que o meu, e que depois ela subiria e nos encontraríamos em minha sala.
Uma hora antes do horário que havíamos combinado ligo e confirmo que na hora combinada estaria lá.
Para minha surpresa ela já estava limpando minha sala.
Como?, pergunto, eu nem te falei como gosto que limpe.
Ela então disse que iria para a outra sala onde ela deveria estar e me esperar.
Esse começo era prenúncio de uma relação de trabalho que estaria fadada ao fracasso.
Eu não gostei que ela tivesse feito diferente do combinado. Ela não gostou de ter sido cobrada naquilo que combinamos.
Ao nos encontrarmos em um primeiro momento ela se mostrou ofendida. Disse que era de confiança, que trabalha há anos para dona fulana e para dona sicrana. Que nunca mexera em nada de ninguém.
Respondi que isso não estava em questão para mim. Que em nenhum momento eu duvidara que ela fosse de confiança. Caso contrário nem teria contratado seu serviço.
Disse que para mim não fazia diferença se ela limpasse meu consultório antes ou depois do outro. Para mim fazia diferença termos combinado uma coisa e ela ter feito outra sem me avisar.
Ela disse que havia agido assim para me agradar. Desagradou a nós duas.
Muitas vezes na tentativa de agradarmos ao outro fazemos coisas que desagradam.
Que outro é esse que queremos agradar? Será mesmo que buscamos agradar ao outro ou a nós mesmos?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Universidades públicas brasileiras entre as 500 melhores do mundo.

Li no Globo on line do dia 18 desse mês que saiu a lista de 2010 das 500 melhores universidades do mundo. Estão nessa lista seis universidades públicas brasileiras.
A USP ficou entre as 150 melhores. A UNICAMP entre as 300. A UFMG, a UFRJ e a UNESP entre as 400. E a UFRS entre as 500.
Todas essas universidades estão situadas em estados do sul maravilha. Três delas estão no estado de São Paulo.
Fiquei feliz com essa noticia e me lembrei de Tom Jobim que dizia que nós, povo brasileiro, temos dificuldades de reconhecermos nosso sucesso.
Tom dizia que sempre que um brasileiro fazia sucesso lá fora, no mundo das artes, ele era criticado pela midia local e logo ficava com a pecha de metido, de americanizado, etc.
Fiquei surpresa por essa lista não estarem as PUCs, que teem a fama de serem excelentes centros de ensino.
Parabéns aos docentes, funcionários e alunos dessas universidades!

Superlativos

Tem pessoas que são superlativas. São sempre as mais simpáticas, as mais inteligentes, as mais bonitas, as mais isso, as mais aquilo.
Tudo nelas é superlativo.
Não é sem razão que escolhem amigos diferentes e com baixa auto estima. Precisam de tais amigos para realçarem suas qualidades.
Tais pessoas consideram tudo o que fazem o mais interessante. É em torno do umbigo de cada uma delas que gira o mundo.
De tanto girar em torno de si mesmas elas ficam tontas e vivem uma eterna embriagues narcisista.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Nem todo príncipe vira sapo.

Um dia ele chegou para terminar o namoro. Ela não entendeu nada. Eles combinavam bem. Gostavam das mesmas coisas e quase nunca brigavam.
Foi pega de surpresa. Tudo tão inesperado, tão repentino. Pediu que ele lhe esse três motivos para estar terminando o namoro. Ele não conseguia. Só chorava.
Ela era completamente apaixonada por ele. Tão apaixonada que uma colega de faculdade brincava e dizia que Maria era arriada os quatro pneus por João. Rindo completava dizendo que nem macaco dava jeito. Não é que deu?
Maria desejava ser feliz e sonhava encontrar um príncipe encantado.
Feito o luto ela encontrou seu príncipe que até hoje não virou sapo.

Casamento perfeito

Quando rapaz era bonito e sedutor. Claro que teve muitas namoradas. Uma série delas. Acabava um namoro logo arranjava outra.
Até que se casou inaugurando uma nova série, a dos casamentos.
É um eterno apaixonado pelo amor.
Profissão? Doutor do coração.
Já se casou diversas vezes. Teve a série das morenas, das louras. Parece que suas mulheres são equivalentes, substituíveis.
Casado mesmo, para valer, um casamento perfeito ele tem só um. É com a bebida.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sobre filmes de suspense

Não gosta de filmes de suspense. Leva susto com os barulhos. Fica ansiosa com as cenas que sugerem uma presença escondida. O coração dispara com as possibilidades de uma ação que não acontece.
Cinema é diversão, pensa aliviada por ter saído da sala.
Sofrer com o suspense daquilo que pode advir, nem se sabe da onde deixou de ser fonte de sofrimento e gozo.
Não sabe se era boa a história. Saiu antes do fim. Não se obriga a ficar até o fim de nada que não suporte.
O que seria da vida sem as possibilidades de escolha?

Pesadelo

Sonhou que venderam a casa dos sonhos. Venderam barato e fizeram uma péssima venda. O dinheiro não dava para nada. A casa que compraram era velha e estava abandonada como estava a casa que fora de seus pais.
Isso não era verdade, pensou no sonho. Isso é um pesadelo, continuou pensando dormindo.
Por que seu marido permitira tal loucura? Como? Então eles haviam decidido juntos?? Ficou espantada ao perceber que ambos tinham uma parte naquela história. Um casamento se constroi a dois, lembrou. Abrir mão daquela casa jamais lhe passara na cabeça.
Pensou que uma casa podemos construir e reconstruir.
No meio daquela dor se sentia viva. Ainda tinha fôlego para continuar sonhando.
Acordou antes da hora e ficou aliviada. Nada havia mudado de fato.

Sonho bom

Sonhou que estava se mudando para a casa dos sonhos. Era uma casa de praia cercada de um jardim delicioso.
E no caminho para Pitinga passava pelas melhores praias que conheceu. Desceu a ladeira do Mucuguê e foi beirando a praia do Morro, dos Namorados, do Cachorro, de Pipa, de Porto de Galinhas, de Espelho e a praia do Coqueiros. Todos esses lugares estavam condensados ali em Ajuda.
Chegou em Pitinga e se espantou com a beleza calma das águas que já não roubava areia. Ficou feliz. A praia estava de novo igual a quando escolhera aquele lugar como o lugar de seus sonhos.
Pensou sorrindo que acertara na escolha do marido e da praia. Era feliz também com os filhos que tiveram.
Tudo isso se misturava com a imensidão do mar azul e com o verde do jardim.
Há muito anda cultivando jardins, amores e amizades. Há muito anda colhendo flores e frutos.
A vida se confundia com seu sonho. Estaria vivendo uma vida de sonhos?
Continuou sonhando e sorrindo, sonhando e sorrindo e quase perdeu a hora da Yoga.

sábado, 7 de agosto de 2010

A sabedoria de um bispo

Das relações que estabelecemos com as pessoas sempre advém algum aprendizado. Algumas pessoas com as quais convivemos são especiais e nos ensinam tantas coisas que só nos resta retransmitir o que aprendemos gratuitamente com elas.
Dom Luís Fernandes, ex-bispo auxiliar de Vitória (ES), nos tempos áureos da ditadura militar brasileira, época em que a Igreja de Vitória recebeu e abrigou perseguidos pela ditadura, foi uma dessas pessoas especiais com a qual tive a honra de conviver.
Nada do que se diga sobre a atuação pastoral de Dom Luís será suficiente para ressaltar quão fecunda foi sua passagem por nossa terra. É notório e indiscutível o papel fundamental que ele desempenhou na implantação e no reconhecimento das Comunidades Eclesiais de Base na Grande Vitória, no Brasil e na América Latina e na função do leigo na igreja.
Como funcionária da Cáritas Arquidiocesana de Vitória na década de 70, trabalhando como agente de pastoral na Igreja de Vitória, tive o prazer de conviver, de longe e de modo muito tímido, com Dom Luís. Desde então aprendi a respeitar e admirar aquele bispo tão humano e avesso à pompa que a investidura do cargo de bispo pode suscitar em que o ocupa.
Já aposentado, Dom Luís esteve em Vitória em um encontro que reuniu os agentes de pastoral da década 70.
Nesse encontro, com a simplicidade que lhe era habitual, Dom Luís nos deu um sábio depoimento no qual compartilhou conosco o desconforto e a angústia que sentia por se perceber sempre inadequado para desempenhar a função de bispo. Ele se percebia sempre aquém, sempre não correspondendo ao lugar de autoridade simbólica do cargo de bispo. Esse sentimento de inadequação manteve aberto, para ele, a pergunta do que é ser um bispo.
O fato de Dom Luís tomar para si a questão do que é ser um bispo e de ter vivido sempre deixando essa questão como não respondida bem demonstra o quanto ele era uma pessoa iluminada.
Dom Luís parecia ter a dimensão da função de autoridade simbólica de seu cargo e da impossibilidade dele, por ser humano, corresponder a essa função que, por ser simbólica, está sempre para além daquele que a ocupa.
Suponho que ele sabia da impossibilidade dele ou de qualquer ser humano, masculino ou feminino, corresponder a qualquer função cuja autoridade seja simbólica.
Ao partilhar conosco de seu incômodo em se sentir sempre aquém da função de um bispo ele nos brindou com uma pequena historieta que havia vivenciado em uma de suas visitas pastorais ao interior.
Ele nos contou que, certa vez, ao chegar em seu fusquinha em uma determinada comunidade do interior do Espírito Santo, ao descer do carro logo percebeu o olhar curioso e atento de uma menina. Ela o acompanhou de perto durante todo o domingo. Terminada a visita pastoral, ao se despedir da comunidade e entrar no carro para ir embora, escutou a menina puxar o pai e perguntar baixinho: - Um bispo é só isso?
Dom Luís sorriu e arrematou dizendo que a garotinha, com sua sabedoria infantil, logo percebeu que ele não estava à altura da investidura que recebera.
Infelizmente, nem sempre nossas autoridades constituídas teem a mesma simplicidade e sabedoria de Dom Luís. Muitas delas colam imaginariamente seu nome e pessoa à função de autoridade simbólica dos cargos públicos que ocupam e passam a ser identificar como tal. Narcisicamente confundem função simbólica com a pessoa deles mesmos, o que é um passo para que possam se colocar acima da lei e se aproveitar das benesses do poder.
Talvez pudéssemos vislumbrar um país melhor se nossos representantes políticos e nossas autoridades constituídas, seguindo o exemplo de D. Luís, mantivessem sempre como não respondida a questão do que é ser um representante político, jurídico ou religioso.
Esse discernimento com certeza diminuiria em muito os desmandos de pessoas que, por se confundirem com a função pública e simbólica que ocupam, passam a se considerar acima das leis.