sábado, 7 de agosto de 2010

A sabedoria de um bispo

Das relações que estabelecemos com as pessoas sempre advém algum aprendizado. Algumas pessoas com as quais convivemos são especiais e nos ensinam tantas coisas que só nos resta retransmitir o que aprendemos gratuitamente com elas.
Dom Luís Fernandes, ex-bispo auxiliar de Vitória (ES), nos tempos áureos da ditadura militar brasileira, época em que a Igreja de Vitória recebeu e abrigou perseguidos pela ditadura, foi uma dessas pessoas especiais com a qual tive a honra de conviver.
Nada do que se diga sobre a atuação pastoral de Dom Luís será suficiente para ressaltar quão fecunda foi sua passagem por nossa terra. É notório e indiscutível o papel fundamental que ele desempenhou na implantação e no reconhecimento das Comunidades Eclesiais de Base na Grande Vitória, no Brasil e na América Latina e na função do leigo na igreja.
Como funcionária da Cáritas Arquidiocesana de Vitória na década de 70, trabalhando como agente de pastoral na Igreja de Vitória, tive o prazer de conviver, de longe e de modo muito tímido, com Dom Luís. Desde então aprendi a respeitar e admirar aquele bispo tão humano e avesso à pompa que a investidura do cargo de bispo pode suscitar em que o ocupa.
Já aposentado, Dom Luís esteve em Vitória em um encontro que reuniu os agentes de pastoral da década 70.
Nesse encontro, com a simplicidade que lhe era habitual, Dom Luís nos deu um sábio depoimento no qual compartilhou conosco o desconforto e a angústia que sentia por se perceber sempre inadequado para desempenhar a função de bispo. Ele se percebia sempre aquém, sempre não correspondendo ao lugar de autoridade simbólica do cargo de bispo. Esse sentimento de inadequação manteve aberto, para ele, a pergunta do que é ser um bispo.
O fato de Dom Luís tomar para si a questão do que é ser um bispo e de ter vivido sempre deixando essa questão como não respondida bem demonstra o quanto ele era uma pessoa iluminada.
Dom Luís parecia ter a dimensão da função de autoridade simbólica de seu cargo e da impossibilidade dele, por ser humano, corresponder a essa função que, por ser simbólica, está sempre para além daquele que a ocupa.
Suponho que ele sabia da impossibilidade dele ou de qualquer ser humano, masculino ou feminino, corresponder a qualquer função cuja autoridade seja simbólica.
Ao partilhar conosco de seu incômodo em se sentir sempre aquém da função de um bispo ele nos brindou com uma pequena historieta que havia vivenciado em uma de suas visitas pastorais ao interior.
Ele nos contou que, certa vez, ao chegar em seu fusquinha em uma determinada comunidade do interior do Espírito Santo, ao descer do carro logo percebeu o olhar curioso e atento de uma menina. Ela o acompanhou de perto durante todo o domingo. Terminada a visita pastoral, ao se despedir da comunidade e entrar no carro para ir embora, escutou a menina puxar o pai e perguntar baixinho: - Um bispo é só isso?
Dom Luís sorriu e arrematou dizendo que a garotinha, com sua sabedoria infantil, logo percebeu que ele não estava à altura da investidura que recebera.
Infelizmente, nem sempre nossas autoridades constituídas teem a mesma simplicidade e sabedoria de Dom Luís. Muitas delas colam imaginariamente seu nome e pessoa à função de autoridade simbólica dos cargos públicos que ocupam e passam a ser identificar como tal. Narcisicamente confundem função simbólica com a pessoa deles mesmos, o que é um passo para que possam se colocar acima da lei e se aproveitar das benesses do poder.
Talvez pudéssemos vislumbrar um país melhor se nossos representantes políticos e nossas autoridades constituídas, seguindo o exemplo de D. Luís, mantivessem sempre como não respondida a questão do que é ser um representante político, jurídico ou religioso.
Esse discernimento com certeza diminuiria em muito os desmandos de pessoas que, por se confundirem com a função pública e simbólica que ocupam, passam a se considerar acima das leis.

2 comentários:

  1. Ângela,

    Como você sabe sou de tradição presbiteriana, e tive o privilégio de conviver com Dom Luís, já na década de 70, ele conversou comigo que era ecumêmico,senti-me incluida na Igreja dos amigos... Que legal você ter resgatado as falas dele naquele Encontro - Reviver Vitória,quanta sabedoria expressa no seu viver e falar... o Prêmio Dom Luís Gonzaga Fernandes instituido pelo Paulo, tem mantido a chama acesa.

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  2. Ops... Dom Luis declarou para mim que era ecumênico no final da década de 70... Tô precisando visualizar o texto e editar se necessário for antes de postar o comentário... rsrssrsrs

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