Li na crítica do jornal de minha cidade que O Que Resta do Tempo é uma comédia. Só se for de humor negro.
Prefiro denominar esse filme de um teatro de absurdo. Humor negro e absurdo são elementos sem dúvida alguma necessários para que possamos olhar para a situação do Oriente Médio. Digo olhar pois compreender o que se passa na relação entre aqueles dois povos é algo da ordem do impossível, do surrealismo puro.
O diretor opta por uma narrativa que nos mostra o que se passa pelo olhar de uma criança, um menino, que vai se tornando um adulto. Esse menino tem ao mesmo tempo olhos de espanto e naturalidade. Olhos de quem se acostuma com o absurdo de uma situação que beira a loucura tamanho o non sense que se instala em sua cidade natal com a ocupação israelita.
Esse olhar é, ao mesmo tempo, o olhar de um espectador. Os palestinos veem a vida passar e são vigiados, olhados, o tempo todo pela policia israelense.
Olhar e ser olhado em um jogo sadomasoquista é a tônica desse filme.
O menino, filho de um pai que lutou na resistência palestina, é chamada à atenção na escola por dizer que os USA são um país imperialista. É pelos olhos do pai que ele enxerga o absurdo da situação imposta aos palestinos.
Pelas cartas que a mãe escreve ele tem contato com os parentes que saíram de suas terras e estabelece uma relação com eles.
Assim o diretor vai misturando suas memórias à de seus pais e nos mostra o que se passou desde a criação em 1948 do Estado de Israel até os dias de hoje.
As lembranças da prisão do pai, o tanque gigantesco que para na frente do hotel e seu cano acompanha o rapaz que coloca o lixo na lixeira e que passeia falando ao telefone. A mãe com um carrinho de bebê que é convocada por soldados israelenses a ir para casa. O jipe do exército israelense que ordena o toque de recolher no ritmo da música tocada em frente a uma boate repleta de palestinos. O vizinho de seus pais que sempre ameaça se incendiar. A pescaria noturna do pai do garoto. A mãe que assiste da varanda a vida passar. O protagonista, já adulto, com um salto de vara, pula o muro que separa a Faixa de Gaza. Essas são algumas das cenas que recortei. Com certeza você poderá recortar outras tantas.
O filme é um emaranhado de absurdos, que fazem parte de um cotidiano de milhares de famílias que vivem naquela região.
Nascer, crescer e morrer em meio a tamanho estado de arbitrariedade e violência com certeza não deve fazer bem a saúde mental de nenhum ser humano.
Fatos como os retratados nesse filme devem tornar a vida tão difícil e as relações humanas tão mais complicadas do que já são, que as pessoas parecem perderem o medo da morte sempre eminente. Conviver com exército, canhões e com a força policial no cotidiano e ainda assim resistir é um mérito dos palestinos.
Esse filme denuncia, no mínimo, a situação absurda imposta aos palestinos desde a criação do estado de Israel e a conivência da ONU com a situação.
O diretor Elia Suleiman escolheu o tom certo ao narrar sua história e de seu povo ao optar por uma espécie de teatro do absurdo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário