terça-feira, 1 de maio de 2012

Cinema e Psicanálise


Ainda criança e estudante do grupo escolar me lembro dos filmes que eu vi no Cine Cacique, Broadway e São Luís, cinemas que existiam em Cachoeiro de Itapemirim, minha terra natal.
O ritual para escolher os filmes passava pela censura materna e pela cotação de um jornalzinho católico feita pelo pai de uma amiga que era minha companheira de cinema. Depois de escolhidos os filmes o seu Zé passava em minha casa com seu DKV V MAG e lá íamos nós. Confesso que sempre me fascinava a vida que era mostrada na tela.
Lembro, especialmente, de ter ido com minha família toda ver a vida de Cristo, Ben Hur e Marcelino pão e vinho e outros tantos filmes religiosos. Num desses filmes que durava quatro horas minha mãe atendendo ao pedido de meu pai, que era bom de boca, levou um lanchinho, que beirava a um picnic, para o cinema.Todos nos fartamos. Vale informar que éramos doze pessoas, contando com meus pais.
O cinema sempre foi parte de minhas lembranças. Eu e outra amiga fazíamos coleção de artistas que saiam na revista manchete. Trocávamos figuras e roubávamos algumas mais difíceis de outras colecionadoras.
Naquela época não sabia que ser expectadora da sétima arte, como é chamado o cinema, “abria fontes de prazer ou de gozo em nossa vida afetiva que nos permite uma ampla descarga de afetos.” Como ficaria sabendo mais tarde após tomar conhecimento dos textos do Dr. Freud.
 O cinema em nossas vidas, que muitas vezes segue tão esvaziada de grandes emoções, nos permite, enquanto expectadores, nos identificarmos com o herói ou com o vilão. Assim em um curto espaço de tempo vivemos emoções diversas e, identificados aos personagens da história, podemos matar, morrer, amar, sofrer, rir e chorar sem maiores dores ou sofrimentos, que iriam diminuir em muito o gozo se tivéssemos que desfrutar tais emoções em nosso cotidiano. Como diz Freud assistindo a um filme e nos identificando com os mais diversos personagens sem corremos nenhum risco de colocar nossa vida em perigo.
Ao me tornar leitora de Freud e Lacan e fiel expectadora de filmes fui descobrindo que a ilusão provocada por um  filme coloca o expectador no lugar de analisando. A pessoa que é tocada por um filme pode, interrogada pela narrativa e interpretraçãos dos atores,  se perguntar sobre algumas questões, atuais ou passadas, de sua vida cotidiana. Na verdade podemos dizer que o expectador é visto pelo filme numa relação especular em que ele se vê divido num personagem que até então desconhecia. É a identificação aos diferentes personagens de uma narrativa que permite a cada expectador gostar ou não gostar de um filme, ser lido por um romance ou por uma peça de teatro. Quero dizer só gostamos de filmes cuja narrativa nos permita identificarmos com traços dos personagens da história. Identificar com alguns traços dos personagens não quer dizer que o sujeito em seu cotidiano haja como eles. Lembro sempre de um  ex-vizinho de prédio, gentil,  muito católico e muito educado que adorava filmes de rambo! Naquele herói  ele, provavelmente,  dava vazão a sua agressividade sempre tão recalcada por  um excesso de gentilezas.
A ilusão provocada pela fruição de prazer e gozo despertado por um filme ou por outra obra de arte nos permite, por um instante, nos colocarmos como desejantes e sustentarmos nossos desejos e sonhos mais ocultos.
Assim os filmes que  vemos na verdade nos mostram. Os traços que recortamos de cada filme falam muito mais de nossa história, de nosso modo de nos situarmos e enxergarmos o mundo do que imaginamos.  O gostar ou não gostar de um filme  demonstra se houve ou se não houve uma identificação com  pelo menos um dos personagens da história. Por isso um filme pode ter várias interpretação. Aquilo que toca a um sujeito pode passar despercebido ou até mesmo desagradar a um outro.
Eu diria que é com o inconsciente que assistimos a um filme e não com os olhos. É o sujeito, recalcado e divido, que iludido e envolvido pela imagem da tela, pela narrativa, pela interpretação dos atores, pelo fundo musical e pelo escurinho do cinema, relaxa a censura e deixa que, por alguns momentos  seu inconsciente venha a tona. Quando isso acontece o sujeito revive antigas emoções que até então estavam adormecidas e sai da sala de alma lavada. E basta a luz se acender para o recalque, que estava à espreita, voltar à tona. Só que o sujeito já não se encontra n o mesmo lugar.



2 comentários:

  1. Ângela,
    Que prazer lê o que você escreve sobre Filme&Psicanálise - texto conciso e claro.
    Fico feliz por você ter me sinalizado o "meu desejo" de estudar Psicanálise.
    Escreva artigos, amiga! Escreva!

    Beijos

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  2. Sim, só o sujeito já não se encontra no mesmo lugar, essa é com certeza a grande magia do cinema, conectar-nos com o real das questões de cada um. Dá-lhe!

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