Ainda criança e
estudante do grupo escolar me lembro dos filmes que eu vi no Cine Cacique, Broadway
e São Luís, cinemas que existiam em Cachoeiro de Itapemirim, minha terra natal.
O ritual para escolher os filmes passava pela
censura materna e pela cotação de um jornalzinho católico feita pelo pai de uma
amiga que era minha companheira de cinema. Depois de escolhidos os filmes o seu
Zé passava em minha casa com seu DKV V MAG e lá íamos nós. Confesso que sempre
me fascinava a vida que era mostrada na tela.
Lembro, especialmente, de ter ido com minha
família toda ver a vida de Cristo, Ben Hur e Marcelino pão e vinho e outros
tantos filmes religiosos. Num desses filmes que durava quatro horas minha mãe
atendendo ao pedido de meu pai, que era bom de boca, levou um lanchinho, que
beirava a um picnic, para o cinema.Todos nos fartamos. Vale
informar que éramos doze pessoas, contando com meus pais.
O cinema sempre
foi parte de minhas lembranças. Eu e outra amiga fazíamos coleção de artistas
que saiam na revista manchete. Trocávamos figuras e roubávamos algumas mais difíceis
de outras colecionadoras.
Naquela época não
sabia que ser expectadora da sétima arte, como é chamado o cinema, “abria
fontes de prazer ou de gozo em nossa vida afetiva que nos permite uma ampla
descarga de afetos.” Como ficaria sabendo mais tarde após tomar conhecimento
dos textos do Dr. Freud.
O cinema em nossas vidas, que muitas vezes
segue tão esvaziada de grandes emoções, nos permite, enquanto expectadores, nos
identificarmos com o herói ou com o vilão. Assim em um curto espaço de tempo
vivemos emoções diversas e, identificados aos personagens da história,
podemos matar, morrer, amar, sofrer, rir e chorar sem maiores dores ou sofrimentos, que iriam
diminuir em muito o gozo se tivéssemos que desfrutar tais emoções em nosso
cotidiano. Como diz Freud assistindo a um filme e nos identificando com os
mais diversos personagens sem corremos nenhum risco de colocar nossa vida em
perigo.
Ao me tornar
leitora de Freud e Lacan e fiel expectadora de filmes fui descobrindo que a
ilusão provocada por um filme coloca o
expectador no lugar de analisando. A pessoa que é tocada por um filme pode, interrogada pela narrativa e interpretraçãos dos atores, se
perguntar sobre algumas questões, atuais ou passadas, de sua vida cotidiana. Na
verdade podemos dizer que o expectador é visto pelo filme numa relação
especular em que ele se vê divido num personagem que até então desconhecia. É a
identificação aos diferentes personagens de uma narrativa que permite a cada
expectador gostar ou não gostar de um filme, ser lido por um romance ou por uma
peça de teatro. Quero dizer só gostamos de filmes cuja narrativa nos permita
identificarmos com traços dos personagens da história. Identificar com alguns traços dos
personagens não quer dizer que o sujeito em seu cotidiano haja como eles.
Lembro sempre de um ex-vizinho de
prédio, gentil, muito católico e muito
educado que adorava filmes de rambo! Naquele herói ele, provavelmente, dava vazão a sua agressividade sempre tão recalcada
por um excesso de gentilezas.
A ilusão provocada pela fruição de prazer e
gozo despertado por um filme ou por outra obra de arte nos permite, por um
instante, nos colocarmos como desejantes e sustentarmos nossos desejos e sonhos
mais ocultos.
Assim os filmes que vemos na verdade nos mostram. Os traços que
recortamos de cada filme falam muito mais de nossa história, de nosso modo de
nos situarmos e enxergarmos o mundo do que imaginamos. O gostar ou não gostar de um filme demonstra se
houve ou se não houve uma identificação com
pelo menos um dos personagens da história. Por isso um filme pode ter
várias interpretação. Aquilo que toca a um sujeito pode passar
despercebido ou até mesmo desagradar a um outro.
Eu diria que é
com o inconsciente que assistimos a um filme e não com os olhos. É o sujeito,
recalcado e divido, que iludido e envolvido pela imagem da tela, pela
narrativa, pela interpretação dos atores, pelo fundo musical e pelo escurinho do cinema, relaxa
a censura e deixa que, por alguns momentos
seu inconsciente venha a tona. Quando isso acontece o sujeito revive
antigas emoções que até então estavam adormecidas e sai da sala de alma lavada.
E basta a luz se acender para o recalque, que estava à espreita, voltar à tona.
Só que o sujeito já não se encontra n o mesmo lugar.
Ângela,
ResponderExcluirQue prazer lê o que você escreve sobre Filme&Psicanálise - texto conciso e claro.
Fico feliz por você ter me sinalizado o "meu desejo" de estudar Psicanálise.
Escreva artigos, amiga! Escreva!
Beijos
Sim, só o sujeito já não se encontra no mesmo lugar, essa é com certeza a grande magia do cinema, conectar-nos com o real das questões de cada um. Dá-lhe!
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