quinta-feira, 25 de março de 2010

De como cuidamos de nossas crianças.

Perdida em minhas lembranças infantis abordei um tema que acho fundamental em qualquer sociedade, que é a forma como cuidamos de nossas crianças.
Li recentemente o livro de Darcy Ribeiro, Confissões, que minha cunhada, Heloisa, emprestou para o Roberto. Para mim a descrição que o autor faz de sua convivência com nossos índios foi a parte mais saborosa da leitura.
Em sua convivência com a tribo Kadiwéu, que eu fiquei conhecendo nessa leitura, Darcy nos relata a concepção de educação infantil dessa tribo.
De acordo com essa concepção o destino do indiozinho homem é escolhido pelos pais do menino logo ao nascer e é determinado pela maneira que seus pais cortam seu cabelo. Dependendo do tipo de corte escolhido pelos pais toda tribo saberá se ele será uma pessoa boa, de confiança e que cuidará bem da família; ou se ele será violento e só pensará na guerra.
Assim, de acordo com aquela cultura o corte de cabelo define a personalidade do menino, de acordo com o desejo de seus pais para com ele. Esse desejo é respeitado pelos demais membros do grupo.
Darcy comenta então como o consenso do grupo sobre cada um de seus membros é terrível e que marca de forma indelével o caráter do indivíduo. E que isso acontece em todo grupo social.
Achei interessante essa prática indígena e o comentário do Darcy que servem para ilustrar o que a teoria analítica sustenta.
A criança, desde o seu nascimento, tenta responder do lugar em que ela se supõe esperado pelo outro materno e paterno, em um primeiro momento.
Assim as falas de seus pais, parentes, professores, amigos, vizinhos e da comunidade como um todo sobre a criança, vão constituir o ser daquele sujeito. Claro que o peso maior ficará por conta das pessoas que teem maior valor afetivo para a criança. Das apostas amorosas ou agressivas que ela recebe deles.
É simples observarmos isso em nossas famílias. Tem sempre aquele ou aquela que é a brigona, ou a que cozinha bem, o queridinho da mamãe, a estudiosa, etc. Cada um tenta responder daquele lugar que ele se vê reconhecido. Tem aquele que a família diz que não tem jeito. E para de investir, de apostar e de acreditar nele. E ele larga a escola, chega tarde. Ninguém procura saber aonde ele anda e com quem anda. Larga de mão, como diz a linguagem popular. Nesse caso nem precisa corte de cabelo. Ele tenderá a responder de forma violenta e agressiva pois não se sente amado pelos os que o rodeiam.
Claro que as coisas não são estanques. Elas são sobredeterminadas por vários fatores e as pessoas podem mudar.
Entretanto sair desse lugar marcado na primeira infância e confirmado na adolescência é um trabalho árduo que só alguns logram conseguir fazê-lo com algum sucesso. E não conseguem fazer isso sozinhos. Tem que ter alguém, algum adulto, que aposte neles. Que espere que eles advenham em um outro lugar valorizado positivamente pela grupo social no qual estão inseridos.
Quem pensava que a infância é um paraíso está enganado. A infância é época que ensaiamos o que seremos no decorrer de nossas vidas.
Bom ensaio para todas nossas criançinhas!

6 comentários:

  1. Muito boa reflexão, Angela. Insistimos muito nessa "tecla" com os professores, pois estes mantém vinculos com as crianças e jovens e podem contribuir numa aposta positiva que poderá influenciar na trajetória de vida daqueles sujeitos.

    Infelizmente o que temos visto, de forma geral, é óbvio, é uma desistência, um "abrir mão" daqueles sujeitos, tanto de suas famílias quanto da escola.

    Daí a necessidade de continuarmos "batendo na tecla".

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  2. Fabíola, concordo com voce. Temos que descobrir a melhor maneira de abordarmos isso para que o professor e os pais possam se incluir junto com o estudante.
    Acho que o filmes podem ajudar bastante. Sessões para o estudante e sua família. Assim junto.Misturar professores, famílias e estudantes. E estimular a conversa no final. Acho que seria uma boa possibilidade de se trabalhar.
    Cinema é lúdico e favorece que oa pessoa se identifique com as situações vividas na história.
    um abraço.
    Ah estou estudando o atraso escolar - na perspectiva da psicanálise. Voces tem interesse em discutir isso????

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  3. Tenho interesse sim, Angela. Se tiver algum material e quiser me enviar, gostaria muito de ler e aí podemos dialogar. Abraços.

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  4. "Tem que ter alguém, algum adulto, que aposte neles. Que espere que eles advenham em um outro lugar valorizado positivamente pela grupo social no qual estão inseridos."
    Eu que diga isso hein Ângela.. Obrigada por ter apostado em mim e não ter desistido!
    Ah! Gostaria de te enviar de lembrança uma foto que tiramos na minha formatura, me passa teu email?
    Grande beijo!

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  5. Claro Carolina!
    Meu email é angelafvb@gmail.com
    Apostei e ganhamos não é mesmo?
    Com carinho

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