Tenho acompanhado com interesse a implantação no Brasil da Comissão da Verdade.
Entendo que os crimes praticados por torturadores nos porões da ditadura militar devem ser punidos.
Até hoje muitas famílias desconhecem o que aconteceu com seus filhos, pais, netos, familiares e amigos que desapareceram naquele período.
A essas pessoas, que não tiveram o direito de enterrar seus mortos, o estado deve uma explicação e os culpados pela tortura, morte, e ocultação do cadáver de seus entes queridos, cidadãos brasileiros como nós, devem ser punidos pelos crimes que cometeram.
Não cabe ao estado tentar passar uma borracha no que aconteceu. Até porque não existe borracha que apague a história vivida por um pessoa, por um povo, ou uma nação.
Aposto no vigor e na ética da comissão da verdade.
Acredito e espero que essa comissão faça um trabalho sério e desenterre esse passado nebuloso que não temos como esconder ou ignorar.
Confesso que levei um susto quando li, na edição dessa semana da revista Carta Capital, que o grupo Levante Popular da Juventude denunciou em Belo Horizonte o médico legista João Bosco Nacif da Silva como criminoso da ditadura militar, como tendo sido participante da tortura e assassinato do preso político João
Lucas Alves, morto na Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte.
Lembrei-me de procurar esse caso no Livro Tortura Nunca Mais, livro citado pelo grupo, que tenho e li desde sua publicação em 1985.
Nesse livro o Sr. João Bosco é citado na página 249, que transcrevo a seguir:
"O auto de corpo de delito de João Lucas Alves, 36 anos, foi realizado a 6
de março de 1969 no Departamento de Medicina Legal de Belo Horizonte, e está
assinado pelos doutores Djezzar Gonçalves Leite e João Bosco Nacif da Silva.
Nela consta:
Autoridade que requisitou — Del. de Furtos e Roubos.
LESÕES CORPORAIS: (…) Duas escoriações lineares alargadas, medindo a maior
cerca de 5 cm, e situadas na face interna, terço inferior do antebraço
esquerdo. Escoriações vermelhas situadas nos 4 últimos pododátilos (dedos do
pé) esquerdos: Edema do pé direito. Contusão com equimose arroxeada sobre a
unha do primeiro pododátilo direito. Equimose arroxeada na região glútea
direita, face posterior da região escapular direita e flanco direito. Região
anal normal. Ausência da unha do primeiro pododátilo esquerdo.
CAUSA DA MORTE — asfixia mecânica”"
Tendo relido esse laudo fiquei me perguntando se atestar que a causa da morte de uma pessoa foi por asfixia mecânica é a mesma coisa que torturar, matar ou assassinar alguém. Entendo que não.
Como nada sei ou entendo de medicina legal pesquisei no site
www.biomania.com.br (pesquisa realizada dia 19 de maio as 14.46) o que é asfixia mecânica, que transcrevo a seguir:
"O conceito de asfixia mecânica é amplamente
utilizado em medicina legal, uma vez que pode ser consequência de ação
violenta. Pode ser causada por enforcamento, estrangulamento, sufocação ou
imersão, embora possa também ser resultado de causas clínicas, tais como edema
da glote, em processos alérgicos; formação de membranas diftéricas; ou ainda
acidentes fortuitos como ingestão de corpos estranhos ou impacto direto sobre a
garganta."
O uso que a ditadura fez desse laudo é outra coisa e pode fugir ao controle do médico legista. No livro Tortura nunca Mais não consta nada a esse respeito.
Assim poderia até ser admissível, que representantes do Grupo Levante Popular da Juventude questionassem o laudo dado pelos médicos. Mais daí a acusaram o médico de criminoso é querer, com bases infundadas, fazer justiça com as próprias mãos.
Muitas vezes querendo que o torturador, que cometeu um crime hediondo que é a tortura, pague pelo seu crime pode-se cometer um injustiça acusando uma pessoa inocente.
PS: Atendendo ao pedido de Maria José estou postando, abaixo, a nota de desagravo público, publicada em 26 de abril de 1992 pelo CRMMG no jornal Estado de Minas.