domingo, 24 de abril de 2011

Delírio a dois

Eram duas irmãs e moravam duas casas depois da dele. Ele só as via quando elas saíam de casa para irem à igreja. Viviam isoladas do mundo. Pareciam se bastarem. Elas eram conhecidas pelos vizinhos  e muitas histórias se contavam a respeito delas. Diziam que elas nunca haviam dançado em uma festa, nem nunca haviam sido beijadas por um rapaz.
Hoje ele se pergunta se elas gostavam de homens ou  de alguma outra coisa que não fosse a fantasia das histórias que criavam. Como eram boas as histórias que escreviam. Nelas a sexualidade recalcada aparecia e, como Cinderelas, dançavam com príncipes e se dissolviam em ácidos corrosivos assim que o relógio batia meia noite.
As histórias que escreviam não eram histórias de assombração. Ainda assim assombravam aquele rapaz, que se sentia coagido a ler tais histórias, depositadas em sua caixa de correio e endereçadas a ele. 
Era difícil para ele entender por que aquelas moças talentosas vivam trancafiadas em casa como se fossem prisioneiras. Pensando nelas sempre se perguntava se existia prisioneiro sem crime. Gostaria de saber porque elas se castigavam assim se isolando do mundo.  Para essas perguntas ele não tinha respostas.
Hoje passado uns bons anos e olhando para trás entende que as duas irmãs não conseguiam viver uma sem a  outra. Pareciam irmãs siamesas. Só que no caso delas nenhuma operação era possível, já que não se tratava de separação de corpos.
Sempre que volta a sua cidade natal ainda escuta algumas história das vizinhas, hoje duas senhoras. Dizem que atualmente elas escrevem menos, bebem mais e estão cada dia mais isoladas do mundo. Dizem também que a casa aonde moram está caindo aos pedaços e que elas só se movem para desviarem seus corpos do reboco que cai. Que se movem cada dia mais devagar. Que falam pouco. Quando uma começa uma frase a outra termina. Como se fossem uma só pessoa em um delírio a dois. 


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