sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dos filmes que eu vi: A vida no Paraíso

A Vida no Paraíso é um filme sueco de Kay Pollak.
É a história do maestro Daniel Daréus, que sonha em fazer uma música que abra os corações das pessoas.
Daniel é famoso e tem uma agenda lotada pelos próximos oito anos. Sua rotina é estressante. Em um de seus concertos ele tem um colapso, que o obriga a interromper sua carreira.
Para se recuperar do coração ele retorna ao povoado onde viveu sua infância e se oferece para ser o dirigente do coral da igreja.
Quer metáfora mais bonita que essa? Só trata do coração quem busca solucionar seus pontos de fixação infantis que fazem parte de suas formações sintomáticas.
Daniel volta para elaborar seus fantasmas.
Ele, que é todo travado em sua vida pessoal, aprende a andar de bicicleta, com a ajuda de Lena. Ela relembra que ninguém aprende a andar de bicicleta sozinho.
Para aprender a andar de bicicleta a pessoa tem que ter a ajuda de seu semelhante que o segura, o protege e o solta devagarinho, sem que o aprendiz perceba. Ou seja: só sendo amparado pelo outro, em quem se confia, que o sujeito acredita ser capaz de adquirir o equilíbrio necessário para andar de bicicleta. Para andar sózinho ele tem que perder o medo de cair. Só então ele pode descobrir o prazer de ver o mundo equilibrado em cima de duas rodas. Essa cena remete à dependência radical que temos para com nossos semelhantes. Que prazer Daniel demonstra ao vencer esse medo!
A chegada de Daniel ao povoado desagrada à antiga dirigente do coral que perdeu sua função, ao pastor e ao Conny, marido violento da Gabriela, integrante do coral.
Como dizia Guimarães Rosa quanto mais particular é uma história , mais universal ela se torna. Aquele coral é uma metáfora das relações pessoais e sociais. A medida em que o coral vai ensaiando e que as pessoas vão liberando seus recalques, a palavra vai circulando. Isso faz com que cada pessoa vá reconhecendo e elaborando sua própria história de vida, as relações que estabelece consigo mesma e com seus semelhantes.
Suas dificuldades e sofrimentos vão comparecendo ao mesmo tempo em que cantam e se encantam com a música e com a vida. Esse filme mostra, na vida dos diferentes personagens, os sintomas pessoais interferindo nos ensaios do coral.
Vou detalhar alguns recortes que fiz da história.
A realidade de medo de Gabriela, a mulher que apanha do marido e treme ao chegar em casa. A omissão de todos do coral que sabem de sua realidade e que fingem não saber.
O ciúme do pastor pelo sucesso do coral e pelo apreço que os coralistas tem para com o Daniel.
A moça mal falada na cidade por seu comportamento sexual e seu papel afetivo fundamental no coral e na vida de Daniel.
A discriminação e a integração do deficiente mental no coral.
A falsa moral do pastor que se excita com suas revistas eróticas femininas.
A discriminação de um gordo desde a sua infância por um colega do coral.
A vida do pastor e de sua mulher, que também é afetada pela participação dela no coral e por sua revolta, quando o maestro é destituído do cargo por seu marido.
Lena, Arne, Daniel, Olga, Amanda, Inger e todos os outros membros do coral são vozes que ganham vida. Ao falare e cantar eles aprendem a ouvir a si mesmos e ao outro. E percebem "que ficam bravos não com o outro, mas com o que o outro provoca em cada um deles".
A história nos mostra a inveja, o ciúme, a agressividade, a violência, a amor, a solidariedade, o medo, o sonho, a gratidão e tantos outros afetos, sentimentos, tão próprios da vida humana e que comparecem na relação que cada pessoa estabelece consigo mesma e com seus semelhantes.
Isso sem falar das músicas belíssimas e da alegria que os ensaios do coral nos transmitem. Só essas cenas já bastariam para tornar esse filme imperdível!

Um comentário:

  1. Oi,Ângela
    Muito rico os seus comentários/análise sobre o filme,enxergo neles uma escuta/olhar que amplia o entendimento da condição humana.No dizer da Betty Milan (minha última descoberta de leitura rsrsrs),"para dizer não é preciso aceitar o limite e suportar a idéia de contrariar o outro" e o filme nos faz pensar na nossa própria omissão e a necessária elaboração das nossas mazelas no cotidiano.Vontade de rever o filme!
    Abração Rachel

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